Nerinho e Trinkinhas

terça-feira, setembro 05, 2006

O meu "menino" Jacky


Publico aqui um mail que enviei em 03 de Fevereiro de 2000, a uma associação de animais, com site publicado na Internet, quando o meu Jacky faleceu. Partilhando a nossa história comum com o público, foi e é a minha forma de o homenagear e de o manter vivo:

"Sempre gostei de todo o tipo de animais, sempre respeitei a sua condição e talvez por isso haja uma espécie de química entre nós, visto que por muito ariscos que sejam, consigo aproximar-me deles sem nunca ter corrido qualquer risco (pelo menos até hoje, já lá vão 26 anos!).

Quando tinha 8 anos, através de uns primos, os meus pais tiveram conhecimento de uns senhores donos de um casal de cães de exposição. A cadela tinha uma ninhada de 8 filhotes, mas uma das crias não nasceu igual aos pais e aos irmãos; todos eram castanhos e de pêlo acentuadamente ondulado, menos aquele, que tinha pêlo curto, era branco, com algumas manchas pretas e era o mais pequeno, o que lhe dava um ar franzino.

Pensando tratar-se de algum "escape" que a cadela tivesse tido, e daí resultasse aquele "bastardo" (pelo menos o mais notório), decidiram matar ou dar aquela cria.

Tal como todas as crianças, eu passava os dias a choramingar por uma mascote que pudesse ter em casa para brincar, tratar, para o bem e para o mal.

Foi assim que o Jacky apareceu lá em casa, livrando-se assim de um destino cruel que dois seres humanos lhe destinariam não fossem os meus pais pedir o bichinho.

Lembro-me comos e fosse ontem:
Tinha apenas 14 dias de vida, não abria os olhos, mal sabia chorar e por mais um pouco, cabia-me nas mãos.
O Jacky cresceu, fez-se forte, e talvez por ter sido sempre tratado como uma criança, adquiriu comportamentos invulgares nos cães. lembro-me de todos os momentos que passámos juntos, os bons e os maus. Sim, houve muitos anos maus, pois os meus pais divorciaram-se e a minha mãe ficou comigo a seu cargo, sem qualquer responsabilidade assumida por parte do meu pai. Passámos muita fome, não me envergonho de o dizer, pois essa vergonha não se reflecte em mim e sim em quem não assumiu as responsabilidades que lhe eram devidas. mas nunca faltou comida ao meu Menino, a minha mãe podia não comer, mas para nós (eu e o Jacky) tinha que haver sempre nem que fosse um naco de pão. O importante era comer. Lembro-me de que por vezes, ia comprar ao talho um quarto de frango propositadamente para nós dois, e aí, era uma festa!!!

Nos piores momentos de angústia, lá estava o meu Menino ao meu lado, dando-me lambidelas ou fazendo gracinhas só para me animar.

Dizem que eles (os animais), não pensam. Eu afirmo que sim, pensam. Pensam, sentem, sofrem e alegram-se tal como nós, mas se os observarmos bem, transmitem-no melhor do que nós o dizemos. Os sentimentos deles são puros, sem qualquer tipo de interesse ao contrário de nós seres humanos que nos dizemos superiores por sermos racionais... Será que o somos mesmo?

Em 6 de Fevereiro de 1999, cheguei a casa do trabalho com a minha mãe, e como vinha sendo hábito há alguns meses, assim que chegava, corria para o meu quarto, para ver o meu Menino, que por ser já muito velhinho, quase não via nada, mal andava, pois já não tinha forças para se aguentar e por isso passava os dias praticamente deitado em cima de uma pilha de almofadas confortáveis que nós pusemos no chão. Lá estava ele, meio a dormir, meio acordado, preparei um pouco de leite com Cérelac, tentei com a ajuda de uma seringa dar-lhe de comer para depois lhe mudar a fralda. Sim usava fraldas para assim poder fazer as necessidades à vontade, sem sujar a casa ou a sua caminha. Mas nesse dia, foi em vão...

O meu Menino só estava à espera que nós chegássemos para se despedir. Era chegada a sua Hora... Quando lhe peguei ao colo, deu-me duas lambidelas (como quem dá dois beijinhos) e partiu... Foi o pior dia da minha vida... Desejei morrer com ele, dar a minha vida em troca da dele... Ainda o desejo se isso fosse possível. Com ele levou toda a minha infância e adolescência... Sinto-me vazia... Só me restam as memórias e os álbuns de fotografias, que ele tanto gostava de tirar. Era muito fotogénico, o rapaz, além de vaidoso.

Escrevo esta história com alguma dificuldade emocional, mas espero que sirva para que aquelas pessoas que olham para os animais e fazem deles o que querem, ao sabor das suas apetências, se lembrem que eles também são seres vivos e que por isso merecem tanto respeito como qualquer pessoa. Aliás, o meu Menino mereceu muito mais respeito do que muitas pessoas que conheci durante toda a minha vida.

Sei que esta história é longa, mas não é nada, comparada com os 19 anos de vida comum que tive com ele. A minha mãe já penso adquirir outro para superar a dor, mas de momento não é possível nem justo fechar um animal em casa durante todo o dia, tal como teve que acontecer com o meu Menino, por ironia do destino.

Espero que surta algum efeito positivo na consciência de todos nós, senão pelos próprios animais, por nós seres humanos que já nos habituámos a olhar para o nosso próprio umbigo."